(Foto tirada da internet)
Naquele fim de tarde chegara a casa cabisbaixo. Estacionou o Ferrari na garagem de sua casa. Desligou o motor, saiu do carro, dirigindo-se para a saida da garagem. Ao chegar à porta não resistiu e voltou-se para trás para olhar o seu "puro sangue" uma última vez. Amanhã, àquela mesma hora a garagem estaria vazia depois de um reboque o ter vindo buscar como parte do pagamento ao banco. Lentamente foi fechando o portão da garagem sem conseguir desviar o olhar daquele vermelho vivo, daquele que era o carro dos seus sonhos.
Foi calcurreando o caminho de pedras desenhado na relva do jardim que envolvia a sua casa, uma luxuriante vivenda situada num local isolado e junto ao mar. Parou junto à piscina e por momentos ficou a ver o seu reflexo na água. Veio à sua memória um mar de recordações de tempos felizes vividos naquela casa, naquele jardim, naquela piscina. Dali a uma semana a sua casa iria ser leiloada pelo banco para pagar parte da sua dívida ao banco. Começava a fazer-se sentir uma fria brisa, normal ao entardecer, que se ia tornando cada vez mais desagradável.
Levantou a gola do seu casaco e encaminhou-se para dentro de casa. Caminhava lentamente. O peso dos seus pés crescia exponencialmente e começava a ser sobre-humano o esforço que tinha que fazer para dar um novo passo.
Entrou em casa e dirigiu-se à sala. Serviu-se de um whisky. Puro. Sem gelo. Queria sentir toda a força daquele whisky velho a descer pela sua garganta. Talvez assim conseguisse também arranjar forças para enfrentar o futuro. Foi até à janela da sala e admirou o mar, dourado, sobre a luz de um sol que desaparecia no horizonte. Dentro de uma semana não mais poderia gozar daquela vista. Ia morar no centro da cidade, numa apartamento minúsculo e infecto que conseguira alugar numa cave. Era o mais barato que tinha encontrado.
Ali, naquele momento, teve então consciência de que era um PERDEDOR. Tinha apostado na bolsa, e tinha perdido tudo. Tinha perdido uma casa de sonho. Tinha perdido o carro dos seus sonhos. A sua mulher abandonara-o quando soube que ele tinha perdido tudo, acusando-o de ser egoísta, de não pensar no futuro deles, no futuro do seu filho.
Pensou em abrir a janela, percorrer a curta distância da varanda e saltar para a falésia de encontro ao mar. Demoraria poucos segundos a percorrer na vertical os 60 metros que o separavam do mar, do vai e vem daquelas ondas que lhe trariam a calma que perdera e acabaria de vez com o seu sofrimento, com os seus problemas.
Absorto que estava nos seus pensamentos não se apercebeu dos passos que vindos de trás se aproximavam dele. De repente, sentiu que uma pequenina mão, macia e quente, segurava a sua mão gelada.
Olhou para baixo e viu o rosto inocente de uma criança que olhava para cima, sorrindo e que com a ternura característica das crianças disse:
- Pai, eu gosto muito de ti.
Naquele momento, percebeu que não era um PERDEDOR. Percebeu que tinha tudo aquilo que desejava. Percebeu que não havia nada de mais maravilhoso. Percebeu que iria usar todas as suas forças para lutar pelo seu filho, para o fazer feliz, para o amar, e para que ele sentisse orgulho nele, sentisse orgulho no seu pai.
Esta é a minha participação na 16ª Edição De-sa-fi-o do blog Projecto Créativité
3 comentários:
Gostei do texto. Claro que ele devia ter pensado nisso tudo antes....:)beijo
E lá há razões melhores para viver ou objectivos mais nobres para perseguir?! Lindo, como sempre!
Muitas vezes as pessoas apenas dão importância às coisas materiais, e esquecem aquilo que é verdadeiramente importante: sermos felizes e fazermos os outros felizes.
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