sábado, 2 de abril de 2011

Banco de Jardim

(Foto retirada da Internet)

Era apenas um banco de jardim. Um banco de jardim onde todos os dias se sentava depois do almoço, sempre que o tempo o permitia.

Passava horas naquele banco de jardim. Costumava fechar os olhos, cheirar os enebriantes odores das flores que a rodeavam. Adorava ouvir o canto dos pardais que se empoleiravam nas árvores à sua volta, ou o canto de um melro que por ali pousasse. Como era bom sentir na sua cara a suave brisa refrescante de um final de tarde, aconchegando-se na sua manta.

Não se lembrava há quanto tempo tinha aquela rotina diária. A memória começava a atraiçoá-la. Não se lembrava de há quanto tempo ia para ali ou de como tinha ido para ali. Só com muita dificuldade conseguia recuperar as suas memórias mais antigas.

Mas hoje estava feliz. Tão feliz como há muito tempo não se lembrava. O dia tinha sido igual a tantos outros. Levantara-se bem disposta e tomara o seu pequeno almoço como de costume. Passara a manhã a fazer palavras cruzadas até ir almoçar com as suas amigas. Depois foi até ao jardim e sentara-se no mesmo banco de jardim, como sempre o fazia. Ali estava ela de olhos fechados, enebriada pelo cheiro das flores, encantada com o canto dos pardais. Mas hoje havia algo de diferente, algo de novo, algo maravilhoso. Para além dos pássaros, aos seus ouvidos chegava um outro som maravilhoso. Era o som de uma criança que brincava perto dela.

Abriu os olhos!!!

Á sua frente estava uma menina, que não teria mais de 8 anos e que brincava alegremente à "Macaca", cantando e rindo com a alegria que só uma criança pode ter. 



(Foto retirada da Internet)

Que bom que era estar ali a ver aquela criança a brincar, a rir, a saltar, a cantar. De repente viu-a dirigir-se para si e sentar-se ao seu lado naquele banco de jardim. Sentiu a sua mão, uma mão pequenita e com uma pele muito macia pousar em cima da sua. O seu peito encheu-se de um enorme amor e alegria quando ouviu as palavras: "Amo-te muito, mãmã!".

Baixou o seu olhar e sentiu uma lágrima soltar-se e descer lentamente pela sua face ao admirar aquela pequena mãozita que repouzava suavemente sobre a sua. Mas ao levantá-lo, aquela menina não estava mais lá.

No seu lugar estava uma mulher com quase 50 anos, que dela se aproximou e a beijou suavemente na face dizendo: "Até amanhã!".

Ao sair, aquela menina, agora mulher, cruzou-se com uma funcionária do centro de repouso e, ainda que tentasse manter-se forte não foi capaz de se emocionar ao dizer: "Eu não queria que a minha Mãe viesse para aqui, mas ela já não podia mais ficar sozinha. Aqui ela está mais acompanhada, é bem tratada, e eu sei que é feliz...., e eu vou estar sempre por perto."


Texto para o tema de Abril/2011 ("Ternura") da Fábrica de Letras.





 

11 comentários:

chica disse...

Emocionante e muito lindo teu texto.Isso é ternura o que senti ao ler! Parabéns! abraços,chica

Isa disse...

Fantástico texto!
Me emocionei!

Beijos

Briseis disse...

A imagem mais bonita de ternura que me ficou do texto é ver uma menina jogar à macaca. Agora já ninguém sabe o que isso é.

mz disse...

Não existe fórmula para a ternura. Nem fórmula para o ser humano dar carinho a outro ser humano. Cada caso é único.O importante é estar presente e que o receptor sinta a ternura partilhada.

bjs

JoeFather disse...

Não esperava um texto que não tivesse uma sensibilidade expressa em cada linha vindo do amigo!

Parabéns! Ficou único!

Parabéns também pela participação e abraços renovados!

Moonlight disse...

Olá!

Li seu texto...e recordei o dia em que pela primeira vez vi meu avô num lar.Estava acostumada a vê-lo sempre lá por casa de mês a mês e apesar de ser uma criança,lembro da tristeza que senti.Nunca esqueci o seu olhar...hoje aceito que nem sempre podemos lhes dár o melhor mas sim o necessario....mas nunca deixei de achar triste.
Parabêns pelo seu belissimo texto!Adorei!


Bj cheio de luar

Utópico disse...

Obrigado a todos pelos comentários.

Como a Moonlight refere, quando os nossos pais, avós ou outros familiares chegam à velhice nem sempre lhes podemos dar o melhor, mas sim o necessário. A nossa sociedade actual traz-nos tantas exigências que muitas vezes não temos outra opção senão procurar uma casa de repouso (vulgo lar) onde eles possam ser devidamente tratados, acarinhados e acompanhados, nos momentos em que as exigências da vida não nos permitem fazê-lo, sem com isto querer dizer que os devemos esquecer e os deixar à sua sorte.

Mas o que mais me impressiona é que muitos destes centros de repouso não passam de autênticos depósitos de pessoas votados ao abandono, e que visam apenas maximizar o seu lucro, muitas vezes descurando as condições existentes e o tratamento a eles dado.

Natália Augusto disse...

Gostei desta narrativa. A protagonista é uma mulher doce, encantadora e, tal como imaginei desde o princípio, estava numa fase da vida em que precisava de estar num lar. Realidade atroz, mas, segundo a filha, necessária.
Bonitas também são as imagens que guarda da menina, sua filha, a brincar e a rir. Sente-se a ternura com que o faz.

soninha disse...

Me entristeceu,não sei porquê?!parabéns...bjs

Catsone disse...

Utópico, muito bom o desenrolar do teu texto. Tema actual e controverso; os lares, aqueles bons, devem ser encarados como um recurso para dar qualidade de vida aos idosos e não como depositários de pessoas (o que infelizmente acontece em algumas ocasiões).
Porta-te bem.

Eduardina disse...

Muito bonito! Li-o com um misto de ternura, nostalgia, e alguns laivos de angústia. Não sei porquê, trouxe-me à lembrança um poema de João de Deus, sobre a fugacidade da vida" A vida é um ai que mal soa...", que li a primeira vez nos bancos da escola primária.

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